sábado, 25 de fevereiro de 2012

GESTÃO DO CONHECIMENTO EM PEQUENAS E MÉDIAS EMPRESAS BRASILEIRAS


Este artigo é um reprint de uma publicação minha para a Revista "Pequenas Empresas Grandes Negócios" da Editora Globo.




A temática denominada “Gestão do Conhecimento” (GC) pode também ser entendida e apropriada como gestão de organizações da era do conhecimento. Trocando em miúdos, GC significa gestão na era do conhecimento e configura-se como um repensar da prática gerencial à luz da era da informação, era do conhecimento ou era da inovação perpétua. Peter Drucker, um dos “pais da administração moderna”, afirma que o conhecimento - em detrimento dos fatores de produção capital e trabalho - configura-se como o único recurso significativo na sociedade pós-capitalista. Uma vez que a informação e o conhecimento se tornaram os verdadeiros fatores de vantagem competitiva dos tempos atuais, únicos capazes de conferir sustentabilidade de longo prazo às organizações, é mister que se “pense fora do quadrado”. Muito do que se convenciona chamar ou se atribui o nome de GC é na verdade gestão da informação. Contudo, acredita-se que a GC vá além da pura gestão da informação por incorporar aspectos e preocupações com as questões da criação, compartilhamento e uso de informações e conhecimentos nas organizações. Sob a égide da área denominada “gestão do conhecimento organizacional”, várias abordagens gerenciais e ferramentas destinadas às questões da informação e do conhecimento nas organizações são tratadas, a saber: gestão estratégica da informação, gestão do capital intelectual, aprendizagem organizacional, comunidades de prática, inteligência competitiva, redes e mídias sociais, dentre outros. Na verdade, as organizações adotantes da GC não gerenciam o conhecimento na acepção estrita e terminológica do termo - apenas capacitam-se para o conhecimento - visto que reconhecem que o conhecimento só existe na mente humana e no espaço imaginário entre as fronteiras de mentes criativas em sinergia de propósitos. O conhecimento pode ser apenas promovido ou estimulado e, assim sendo, o que se gerencia são as condições favoráveis à emergência do novo - inovação, criatividade, aprendizagem e compartilhamento de informações e conhecimentos relevantes, cultura organizacional e comportamento humano, autonomia, layout, locais de encontro, dentre outros- o que se atribui o nome de “contexto capacitante”. Em outras palavras, apenas se promove ou se estimula o conhecimento através da criação de contextos organizacionais favoráveis.
É possível aplicar preceitos de gestão do conhecimento em pequenas e médias empresas brasileiras? E o que dizer da inteligência competitiva e da pesquisa de marketing? Estabelecimentos como padarias, petshops, restaurantes de comida por quilo e pequenos comércios de produtos e serviços podem se beneficiar das novas abordagens gerenciais da era do conhecimento? E quanto às médias empresas com orçamentos restritos, envolvidas em contextos de intensa competição nacional e internacional? A resposta é sim e cabe aos gestores a tarefa hercúlea de unir teoria e prática. A gestão do conhecimento, a inteligência competitiva, a pesquisa de marketing e a gestão do relacionamento com o cliente já são colocadas em prática em pequenas e médias organizações brasileiras, até mesmo por pessoas que desconhecem os aportes teóricos atinentes ao tema.
Esses proprietários não se cansam em formular as mais variadas perguntas: “O que a minha empresa precisa saber? Quais as informações que preciso dos meus concorrentes, fornecedores e clientes? Como o meu negócio e as necessidades dos meus clientes evoluem? Como deverá ser o meu negócio daqui a dez anos? Como utilizar o conhecimento de meus colaboradores e clientes em prol do meu negócio? Como estimular o compartilhamento de informações, conhecimentos e aprendizados para evitar o re-trabalho, a duplicação de esforços e a reinvenção da roda?

A gestão do conhecimento em pequenas empresas




Pequenos empresários avaliam oportunidades de mercado, identificam clientes ou mercados-alvo, segmentam seus mercados, posicionam-se estrategicamente e comunicam seus produtos com talento e inteligência. As respostas são rapidamente colocadas em prática através de pequenos levantamentos informais com clientes, em pequenas pesquisas experimentais e ainda em pesquisas exploratórias, cujo método principal é a mais pura e simples observação. Ao visitarem os estabelecimentos dos concorrentes, observam o tamanho da loja, a variedade e o sortimento de produtos, a qualidade e a presteza do atendimento, a política de preços e até a localização da loja. Além disso, esses empresários monitoram o ambiente de negócios (jornais, internet, rádio, tv e até mídias sociais!) em busca de informações que os permitam compreender as estratégias e ações dos concorrentes.
A partir dessas observações, é possível inferir se os ganhos nas vendas encontram-se no volume de vendas ou na margem individual, se o ponto de venda é bem localizado, em local seguro e com estacionamento, se a comunicação é coerente e possui objetivos claros e, finalmente, se o atendimento é um fator de diferenciação ou não. No contato pessoal ou telefônico com os clientes, procuram identificar e conhecer seus clientes em profundidade. Em alguns casos, montam pequenos bancos de dados em seus computadores pessoais (usando até mesmo – pasmem! – o excel!) e os alimentam com séries de transações históricas que os permitem compreender e conhecer cada cliente, suas compras, preferências, sensibilidades/tolerância preço e necessidades especiais, dentre outros.
            Conversas rápidas e cordiais são fontes de informação valiosíssimas, úteis para compreender se os clientes são bem atendidos e ouvidos, se encontram tudo o que procuram ou necessitam “dar uma passadinha” em algum ponto de venda do concorrente, se a loja precisa melhorar em algum ou outro aspecto e gerenciam o relacionamento ao chamar o cliente pelo nome e demonstrar conhecimento e interesse sobre suas compras passadas e preferências. Clientes habituais são presenteados com pequenos mimos e são prontamente recebidos na porta da loja. Uma última abordagem interessante é feita através do acompanhamento de anúncios feitos em jornais e demais veículos de comunicação, onde o tamanho e a freqüência de veiculação são mudados semanalmente. Essa estratégia permite compreender se um anúncio maior ou menor, em dias de semana ou finais de semana, geram ou não mais contatos e oportunidades de negócios.
            Atividades como essas consistem na prospecção e coleta de informações acerca do ambiente dos negócios e seus diversos atores. Acredita-se que muitas empresas desaparecem por que falham em compreender o ambiente organizacional externo como fonte de informações e ignoram que é necessário buscar informações no ambiente que as permitam compreender mudanças, tendências e sinais em relação aos seus clientes, fornecedores, concorrentes e demais atores ambientais. As padarias de 15 ou 20 anos atrás que vendiam o pão francês por  preço unitário já não existem mais. O pet shop de 10 anos atrás não possuía o sortimento e a variedade de rações com a sofisticação da segmentação de hoje e nem agregavam serviços extras para os seus clientes, como consultas em domicílio, planos de saúde e serviços odontológicos. As pequenas imobiliárias não se interessavam muito em trabalhar suas ferramentas de comunicação de marketing e nem pelas abordagens de marketing direto.

A gestão do conhecimento em médias empresas

As médias empresas podem se beneficiar de inúmeras práticas de GC, promovendo a entrega efetiva de valor aos clientes e atingindo padrões elevados de desempenho e excelência.  Eis alguns exemplos:
  • através de sistemas “localizadores de expertise” ou “árvores de conhecimento”, pode-se facilmente localizar quem sabe o quê na organização. Dessa maneira, possibilita-se rápido acesso à pessoa detentora daquele conhecimento e acelera-se o tempo de entrega de soluções para clientes e cidadãos.
  • sistemas ou processos para avaliações de idéias e sugestões podem e devem ser formalizados para que todas as idéias e sugestões que visem melhorais incrementais e radicais sejam avaliadas com base em filtros como risco, valor agregado, foco estratégico e vantagem competitiva, dentre outros. Processos como esses geraram idéias que se tornaram produtos no Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) em Piracicaba, SP, como a limpeza química de evaporadores e novas tecnologias para uso de etanol como combustível;
  • através da criação de locais (reais ou virtuais) para a troca e compartilhamento de informações e conhecimentos relevantes, estimula-se a aprendizagem organizacional e formam-se sucessores do conhecimento. Dessa maneira, evita-se que conhecimentos relevantes se concentrem na cabeça de uma única pessoa e suaviza-se a perda relevante de capital humano com as aposentadorias prementes
  • um portal, intranet ou  sistema de gestão eletrônica de documentos – cuja concepção tenha levado em conta a política de informação da organização e as necessidades de informação de usuários e potenciais usuários - permite um bom fluxo de informações e documentos, evitando a re-invenção da roda, a duplicação de esforços e o re-trabalho - como o mesmo relatório ser escrito várias vezes por pessoas diferentes, recuperar documentos sem referências quanto à ultima versão e atualização, perda de informações e documentos relevantes armazenados em um disco rígido de um computador pessoal, etc.
  • as mídias sociais como o twitter, facebook, Orkut, youtube e linkedin podem ser fontes e canais preciosos para recrutamento e seleção, comunicação direta e personalizada com clientes alvo, gestão de vendas e mix de produtos e mesmo gestão da imagem, marca e reputação!

Cultura organizacional é o fator preponderante quando o assunto é GC, afinal, para muitas organizações, conhecimento é poder. Projetos vitoriosos de GC concentram-se na mudança de uma cultura individualista para uma cultura “colaborativista.” É equivocada a compreensão de que “informação é poder”, visto que “compartilhar é poder”. GC é um processo longo de gestão de mudanças e caro em esforços e mobilização. GC custa caro, mas a ignorância também custa! Algumas dos exemplos citados podem ser imediatamente colocados em prática em uma sala de reuniões ou em adaptações de pacotes de software existentes em praticamente todos os computadores pessoais.  Não há pior inimigo para o conhecimento que a terra firme. Mãos à obra!

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012


A Gestão do Conhecimento depende de um "Ba"!




Gostaria de convidar o leitor a refletir acerca dos mitos tradicionalmente associados à gestão do conhecimento (GC). Embora boa parte da literatura associe tradicionalmente GC às idéias de compartilhamento, aprendizagem, autonomia e abertura às idéias e inovações, dentre outras, todas essas questões são absolutamente anti-naturais. Ora, se informação e conhecimento significam poder nas organizações, por que compartilhá-los? E o que dizer da aprendizagem em organizações, trata-se de processo natural, linear, indolor e confortável? A quantas anda o grau de abertura e receptividade da sua organização às novas idéias e sugestões, por mais “esquisitas” e curiosas que elas possam parecer? Faço as provocações para trazer as boas novas: todas essas questões anti-naturais podem ser superadas! Nas pesquisas que desenvolvi nos últimos dez anos sobre a GC no ambiente brasileiro de negócios, obtive como principal resultado a constatação de que a eficácia da criação do conhecimento organizacional depende de um “contexto capacitante”, ou, em outras palavras, a idéia japonesa do “Ba” (lugar) ou “ espaço” organizacional do conhecimento, que pode ser físico, virtual, mental ou, mais provavelmente, todos os três juntos. Em minha opinião, a GC é uma impossibilidade, visto que o conhecimento - a partir de um recorte epistemológico -  é algo que só existe na mente humana. O que é passível de gerenciamento não é o conhecimento em si, mas unicamente o contexto e a prontidão no qual ele é criado e se manifesta na organização. Os líderes das organizações do conhecimento neste complexo e turbulento contexto de negócios do século XXI são eficazes gestores de contextos capacitantes e estão sempre se questionando: “como posso continuamente criar as condições favoráveis que encorajem, estimulem e recompensem os comportamentos anti-naturais como o  compartilhamento, a aprendizagem,  a abertura às novas idéias e inovações, a tolerância aos erros honestos e a solução colaborativa de problemas? Como conectar cérebros, conhecimentos e experiências para a inovação contínua em um processo de gestão para o conhecimento?” Não acredito em literatura “pop-management”, essas que habitam as prateleiras das livrarias envoltas em mantras  e cânticos de “best-sellers hollywodianos”. Incomoda-me essa venda indiscriminada de cápsulas anódinas de auto-ajuda gerencial e esoterismo miquelino.  Enfim, não acredite em ferramentas milagrosas por que simplesmente não há receitas de bolo! É exatamente por isso que afirmo que a criação de conhecimento na empresa não é um processo que pode ser controlado, mas apenas nutrido e estimulado. É importante então começar a pensar em quais são os conhecimentos críticos da sua organização face a uma analise e interpretação razoavelmente estável  do caótico ambiente de negócios. Se existem “gaps” de conhecimentos críticos, é papel da liderança – e não somente do RH – o desenho de um processo de aprendizagem organizacional para a geração de conhecimento estruturado ao redor da estratégia, da cadeia produtiva e dos fatores críticos de sucesso do negócio. É preciso estimular a ampliação de nossos modelos mentais. Sinto que é chegada a hora de avançarmos pelas chamadas “humanidades” e começarmos a introduzir temas como filosofia, sociologia e arte na educação de nossos executivos. Precisamos criar espaços para discutir as novas organizações dialéticas e paradoxais do século XXI.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Mídias Sociais nos Negócios - Artigo publicado na DOM da FDC 2010 (reprint)


As mídias sociais no ambiente dos negócios

POR Rivadávia Drummond de Alvarenga Neto,
Chun Wei Choo, Renato Rocha Souza
e Roberto Sagot


Há mais de uma década pesquisamos temas ligados à informação e ao conhecimento no ambiente de negócios das organizações de classe mundial. Nosso grupo analisou algumas das melhores práticas de organizações transnacionais – 3M, Xerox, British Telecom, Dow, Novartis e Chevron, dentre outras – e realizou os primeiros estudos qualitativos em profundidade sobre a gestão do conhecimento no ambiente brasileiro de negócios.
Depois de analisarmos três organizações que são referência no tema no Brasil – Centro de Tecnologia Canavieira, Siemens e PricewaterhouseCoopers – concluímos que a gestão do conhecimento se concentra na criação das condições e do contexto em que o conhecimento é criado, compartilhado e colocado em ação, visando alcançar os objetivos da empresa. Insistimos que o conhecimento, a partir de nosso recorte epistemológico, não pode ser gerenciado: o que se gerencia é apenas o contexto e a prontidão com que ele se manifesta na organização. Esse contexto é chamado de “capacitante” ou “Ba” e já foi tema de outras artigos, que publicamos em  edições anteriores da DOM.
Quando analisamos a evolução da gestão do conhecimento, dos anos 90 até a primeira década do século 21, encontramos três grandes marcos:

· A gestão da informação organizacional – alavancagem do estoque de conhecimento explícito da organização (gestão de conteúdos e documentos, sistemas de informação, etc.).
·A gestão do conhecimento organizacional – alavancagem do conhecimento tácito (experiencial) dos membros da organização (comunidades de práticas, localizadores de expertise, ideação e aprendizado organizacional estratégico, dentre outros).
· A gestão do conhecimento coletivo – alavancagem do conhecimento coletivo em redes dinâmicas de conhecimento e aprendizado (processo interorganizacional, no qual o “gerenciamento” das conversas é facilitado pelos processos sociais e mídias sociais).

O que diferencia essa percepção de nossos trabalhos anteriores é a ampliação dos níveis de interação (indivíduos, equipes, organizações e redes de organizações), conforme recente publicação conjunta da Fundação Dom Cabral e Universidade de Toronto (Alvarenga Neto & Choo, 2010). Dixon & Greenes parecem confirmar nossa percepção, ressaltando o aumento da complexidade no processo (Figura 1).

O objetivo deste artigo é explorar essa nova face da gestão do conhecimento – denominada “gestão do conhecimento coletivo” – com o uso das mídias digitais e os processos sociais nos negócios. Trata-se, na verdade, de uma pesquisa exploratória, ainda em estágio inicial, mas com resultados que podem interessar os leitores.


Figura 1 – Evolução da gestão do conhecimento



Fonte: Adaptado de Dixon & Greenes, 2008.


CONCEITOS FUNDAMENTAIS

As mídias sociais surgiram como facilitadoras do processo de interação social, utilizando tecnologias de fácil acesso, amplamente escalonáveis e baseadas na Web. Em verbete publicado na Wikipédia, Kaplan & Haenlein (2010) definem as mídias sociais como “um grupo de aplicativos baseados na internet, que se utilizam dos fundamentos ideológicos e tecnológicos da Web 2.0 que, por sua vez, permite a criação e compartilhamento de conteúdos gerados por usuários”. É cada vez mais comum nas organizações o uso dos termos sinônimos “mídias sociais” e “mídias geradas pelos usuários” (do inglês CGM – Consumer Generated Media).
A distinção entre mídias sociais e mídias tradicionais (jornal, revista, rádio e televisão) pode ser analisada a partir de cinco propriedades distintas:
1.   Alcance – tanto as mídias tradicionais como as mídias sociais possibilitam escala e capacitam a organização para o alcance de uma audiência global.
2.   Acessibilidade – as mídias tradicionais são objeto de concessão e dependem de recursos protegidos ou proprietários, muitas vezes em mãos de empresas privadas ou governos. As ferramentas das mídias sociais estão amplamente disponíveis a custo zero ou ínfimo, para todos os usuários da web.
3.   Usabilidade – a produção/geração das mídias tradicionais é normalmente restrita aos profissionais com treinamento e habilidades especializadas. A geração/consumo de conteúdo de mídias sociais é amplamente facilitada pelo uso de interfaces amigáveis – qualquer pessoa, sem treinamento específico e com um mínimo de habilidades, pode operá-las virtualmente.
4.   Atualidade – a divulgação de conteúdos produzidos para as mídias tradicionais pode ser lenta. Os pesquisadores enfrentam hoje um tempo médio de espera de 18 meses para publicar seus papers em journals de referência, o que muitas vezes faz o conhecimento ser “datado” no momento de sua publicação. A antiga enciclopédia Barsa possuía um time-to-market tão longo que, ao ser publicado, seu conhecimento já estava fossilizado. O conteúdo gerado a partir da utilização de mídias sociais é instantâneo e as correções/atualizações são imediatas. Como os canais de mídias tradicionais vêm adotando ferramentas das mídias sociais é bem provável que esta propriedade deixe de ser distintiva.
5.   Permanência – uma vez publicados, os conteúdos das mídias tradicionais não podem mais ser alterados. Já as mídias sociais podem ser modificadas, comentadas e editadas, instantaneamente. O conhecimento publicado na web é mais perene do que o veiculado em jornais, TV, rádio e revistas.

É comum confundir o conceito de mídias sociais com o de “redes sociais”. Uma rede social é constituída por atores (indivíduos ou organizações) – denominados “nós” –, conectados por um ou mais tipos de laços de dependência (amizade, relacionamento, interesse comum, conhecimento, prestígio, dentre outros). Wasserman & Faust (2006) definem “rede social” como um conjunto de dois elementos: atores (pessoas, grupos ou organizações – os “nós” da rede) e conexões (interações ou laços sociais). Os autores enumeram as possibilidades de conexão ou laços relacionais:

§ Avaliação de uma pessoa por outra: amizade, respeito, afeto.
§Transferência de recursos materiais: transações de negócios, empréstimos.
§Associação ou afiliação: comparecimento a eventos sociais ou pertencimento ao mesmo clube.
§ Interação comportamental: conversas, envio de mensagens.
§Movimentações entre lugares ou status: migrações, mobilidade social e/ou física.
§ Conexão Física: estrada, rio ou ponte conectando dois pontos.
§ Relações formais: autoridade.
§ Relações biológicas: afeto, descendência, ascendência.

Em outras palavras, uma rede social é um mapa dos laços relevantes de todos os “nós” estudados.

Uma vez esclarecidos os conceitos de mídias e redes sociais, é importante analisarmos outro conceito relevante – o ARS-Análise de Redes Sociais (do inglês SNA - social network analysis). A ARS é o mapeamento e a mensuração das relações e fluxos entre pessoas, grupos, organizações e/ou quaisquer outras formas, entidades de informação e conhecimento conectadas. Alguns exemplos das métricas em ARS são: os graus de centralidade (centrality), proximidade (closeness) e intermediação (betweenness). Há vários softwares disponíveis para auxílio às análises de redes sociais, dentre eles o UCINet, PAJEK e Inflow.



MIDIAS SOCIAIS: NÚMEROS E TIPOLOGIA

As mídias sociais podem ser utilizadas para compartilhar, publicar, discutir, jogar games online e participar de mundos virtuais. Os usuários podem manter blogs, compartilhar vídeos, fotos e podcasts (criado a partir das siglas Personal On Demand, algo pessoal e por demanda, e Broadcasting, transmissão de rádio e TV), trocar mensagens instantâneas, participar de causas e eventos sociais, etc. Na Figura 2, temos uma representação tipológica das mídias sociais (sempre provisória), ressaltando que uma ferramenta ou mídia pode pertencer a mais de um dos tipos propostos.


Figura 2: Tipologia de mídias sociais



Fonte: Adaptado de Cavazza, 2008


Destacamos 10 utilizações para as mídias sociais, ressaltando o espaço para controvérsias e o caráter sempre provisório da proposta:

1.   Publicação – de notícias (em sites como o Digg), blogs (usando o Blogger ou o Wordpress), de qualquer tipo de conteúdo (Wikia) e enciclopédias (Wikipedia).
2.   Compartilhamento – de fotos (Flickr), vídeos (YouTube), músicas/rádio (Last FM), apresentações de powerpoint (Slideshare) e experiências de compras sociais (CrowdStorm).
3.   Discussão/conversação – Skype, Google Talk, Messenger e Meebo.
4.   Redes Sociais/comunidades – Ning, Facebook, Orkut, MySpace, Linkedin e Hi5 (entretenimento social).
5.   Microblogging – publicações curtas, normalmente restritas a menos de 200 caracteres, como o Twitter, Yammer (microblog corporativo) e Plurk.
6.   Lifestream – termo criado para descrever o fluxo de interações entre pessoas nas redes sociais, composto por mensagens, fotos, documentos e outras mídias, comentados pelos participantes. São múltiplas as possibilidades, como planejamento de eventos (Socializr, Meetup) ou discussões hipermidiáticas com os contatos sociais (Friendfeed), funcionalidade também presente em redes sociais como Facebook e Orkut.
7.   Livecast – canais multimídia criados por usuários para transmissão de vídeos e programas ao vivo como o Justin.Tv e o Y !Live.
8.   Mundos Virtuais – como o Second Life e o Habbo.
9.   Jogos Sociais – para jogos online como xadrez, dama, quebra-cabeças, cassino, jogos de cartas e outros, disponíveis no Pogo e Doof.
10.                MMO (Massive Multiplayer Online Game) – jogos online que comportam centenas ou milhares de jogadores ao mesmo tempo, como Warcraft e KartRider. Os MMOs são também suportados em consoles de videogames, como o PS3 da Sony, Xbox da Microsfot e Wii da Nintendo.

Ao publicarmos números referentes às mídias sociais (no Brasil e no mundo), enfrentamos sempre um problema: os dados são tão efêmeros, que qualquer resultado de pesquisa fica “datado” no momento de sua publicação. O Brasil tem mais de 70 milhões de usuários de internet e estima-se que mais de 80% deles possuem perfil em mídias sociais. Os números aqui apresentados (Quadro 1) foram atualizados em outubro de 2010. Aconselhamos os leitores a confrontarem esses números com os dados divulgados, quase que diariamente, em sites especializados como o Alexa (www.alexa.com).


Quadro 1 – Mídias sociais em números


Facebook
Mais de 500 milhões de usuários
150 milhões com acesso por dispositivos móveis
Orkut
Rede social com mais de 100 milhões de usuários, muito utilizada no Brasil, embora venha perdendo popularidade para o Facebook



Twitter
Mais de 105 milhões de usuários
Média de 55 milhões de tweets por dia
Twitterholics – Britney Spears, Lady Gaga e Barack Obama (5,5 milhões de seguidores)
Brasil é o segundo país que mais utiliza o Twitter


LinkedIn
Mais de 60 milhões de usuários em 2010
Já é ferramenta amplamente utilizada em recrutamento e seleção de médias e grandes empresas


            FourSquare
Ferramenta de geotagging (combina GPS com mídias sociais)
Mais de 0,5 milhões de usuários
Mais de 16 milhões de check-ins
Fonte: desenvolvido pelos autores.


        
MIDIAS SOCIAIS NOS NEGÓCIOS

As mídias sociais vêm sendo intensivamente utilizadas por organizações brasileiras e internacionais. Estudo recente, conduzido pela Burson-Marsteller, empresa global de relações públicas e comunicação, revela que grandes corporações internacionais já participam ativamente nas mídias sociais (pesquisa da Deloitte apresenta resultados semelhantes). O estudo mostrou que:
·      79% das 100 maiores companhias do Fortune Global 500 Index utilizam pelo menos uma das mais populares plataformas de mídias sociais: Facebook, YouTube, Twitter ou blogs corporativos.
·      65% das 100 maiores companhias internacionais possuem contas ativas no Twitter, 54% têm uma ‘Fan Page’ no Facebook, 50% possuem um canal no YouTube e 1/3 utilizam intensivamente blogs corporativos.
·      Apenas 20% das maiores companhias internacionais utilizam, simultaneamente, as quatro plataformas no relacionamento com seus stakeholders.

Uma ferramenta importante para avaliar o nível e a intensidade de engajamento de sua organização na utilização de mídias sociais é a “Pirâmide de Engajamento”, na qual a empresa e as pessoas que nela trabalham podem navegar em um contínuo, passando de meros “observadores” (watchers) a “curadores” (curators) (Figura 4).


Figura 4: Pirâmide de Engajamento – uso de mídias sociais



Fonte: Adaptado de Altimeter Group (www.altimetergroup.com)


O Altimeter Group propõe o conceito de SocialGraphics como metodologia para a compreensão do comportamento social online dos clientes de uma organização. O método fornece a inteligência necessária para o desenvolvimento de uma “estratégia social” baseada na “Pirâmide de Engajamento”, construída com o foco do cliente.
Vários autores defendem o que chamam de “7Cs” de utilização das mídias sociais nos negócios. Jonathan Richman, do blog Dose of Digital (especializado em gestão da saúde), é um desses defensores. Aqui estão os “7Cs”, com exemplos:

1.   Comunicação (Communicating) – a Novartis possui uma página no Twitter para a comunicação e gestão de informações corporativas destinadas ao público em geral.
2.   Patrocínios ou suporte a causas (Cause Support/Sponsorship) – suporte a causas distintas, como a “Prevenção ao Câncer de Mama” no Facebook.
3.   Competição/votação/concurso (Contests) – o cantor adolescente canadense Justin Bieber realizou, recentemente, uma votação entre seus fãs do mundo todo, visando a promoção de sua turnê mundial.
4.   Pesquisa com consumidores (Consumer Research) - O site Patients Like Me criou uma comunidade sobre o tema da epilepsia, para entender como a doença vem sendo tratada. O objetivo é compartilhar sintomas, tratamentos e experiências de pacientes ao redor do mundo.
5.   Conexão com outros (Connecting Others) – congrega pessoas com perfis similares e permite o compartilhamento de informações e contatos online e off-line. É o mote de grande parte das redes sociais – o Facebook e o LinkedIn são exemplos desse tipo de conexão.
6.   Serviço aos clientes (Customer Service) – várias empresas, como a Best Buy e Comcast, vêm utilizando as mídias sociais para prestar diversos serviços aos seus clientes. No Brasil, podemos citar o Peixe Urbano.
7.   Construção de comunidades (Community Building) – comunidades em plataformas Ning ou Facebook vêm se tornando extremamente populares. Exemplos: a National Wildlife Federation  e o Arena PBR do Canal Rural, com mais de 7.000 membros cadastrados.

Em nossa pesquisa (em andamento) descobrimos que algumas organizações de classe mundial, atuantes no Brasil, vêm utilizando as mídias sociais como parte integrante de suas estratégias de marketing digital. Isso acontece em todas as sete faces já citadas, com ênfase especial em algumas arenas distintas e sinérgicas: imagem e reputação - em gerenciamento de crises e relações públicas; marca e comunicação - monitoramento da marca ou mercado e aumento da reputação da marca; institucional e negócios – em causas humanitárias, geração de conteúdo exclusivo e personalizado, campanhas, ações de marketing, venda de produtos e serviços, desenvolvimento de produtos e inovação, suporte ao cliente; e na gestão do conhecimento.
Para exemplificar a utilização de mídias sociais nos negócios, selecionamos algumas experiências das organizações:

§  Gerenciamento de crises – casos emblemático como a United Airlines (United Breaks Guitars ou “United Quebra Violões”: um vídeo no YouTube com quase 10 milhões de acessos, Comcast (A Comcast Technician Sleeping on my Couch ou “Técnico da Comcast dormindo no meu sofá”:  outro vídeo no YouTube com mais de 1.5 milhões de acessos, e o caso da Cervejaria Devassa (filial Belo Horizonte) que utilizou mídias sociais como o Facebook, Orkut e Twitter para gerenciar uma crise de imagem, gerada por um e-mail viral de um consumidor insatisfeito.

§  Ações práticas de comunicação – como o 10.000 Women, projeto de parceria entre a Fundação Dom Cabral, Insead e Goldman Sachs, voltado para o desenvolvimento do talento empreendedor, capacidade administrativa e educação gerencial de mulheres em mercados emergentes, que dificilmente teriam acesso a essa oportunidade. A FDC utiliza seu perfil no Twitter para divulgar o programa.

§  Institucional e negócios – o Canal Rural do Grupo RBS é um benchmark no Brasil. Com grande audiência em mídias sociais, o Canal Rural utiliza mídias como o Twitter para um “diálogo digital” com seu público-alvo e gerencia duas comunidades Ning (Arena PBR e Lavouras do Brasil) que são verdadeiros fenômenos em número de participantes ativos e modelo de negócios. O Google Analytics é a ferramenta usada pelo Canal Rural para mensurar a efetividade de suas estratégias de mídias sociais, disponibilizando métricas para análise, como visualização de páginas, tempo de permanência, taxa de crescimento de usuários e frequência de postagens. Outro exemplo é a Nokia Siemens Networks (NSN), terreno fértil para a utilização de blogs corporativos e Wikis, visando a gestão de seu conhecimento organizacional.

CONCLUSÕES

A utilização de mídias sociais nos negócios é parte integrante da estratégia de marketing digital nas organizações e se configura também como suporte aos processos de gestão da informação e do conhecimento. O processo de gestão da utilização dessas mídias pode ser tanto formal e estruturado (característico de grandes organizações) quanto desestruturado e informal (típico em PMEs). O importante é definir uma utilização adaptada à estratégia do seu negócio – delimitar a audiência (público-alvo) com uma profunda compreensão do comportamento online de seu público, para gerar conteúdo, comunicação e interação, através da utilização inteligente dos níveis de engajamento propostos. Há muitos riscos associados à exposição e abertura, propiciadas pelas mídias sociais, mas o maior deles seria não explorar, experimentar, aprender e executar essas novas ferramentas. Mãos a obra!

---------
Rivadávia Correa Drummond de Alvarenga Neto é  Reitor do UNIBH (Centro Universitário de Belo Horizonte, professor e pesquisador convidado da Fundação Dom Cabral, pós-doutorado em Information Studies pela Universidade de Toronto, Canadá.
Chun Wei Choo é professor e pesquisador da Faculty of Information Studies  da Universidade de Toronto, Canadá.
Renato Rocha Souza é professor e pesquisador da Fundação Getúlio Vargas e da Universidade Federal de Minas Gerais, e visiting fellow da University of Glamorgan, UK.
Roberto Sagot é gerente de Marketing da Fundação Dom Cabral.


PARA SE APROFUNDAR NO TEMA

KAPLAN, Andreas M., HAENLEIN, Michael (2010). Users of the world, unite! The challenges and opportunities of Social Media. Business Horizons 53 (1): 59–68.

WASSERMAN, Stanley and FAUST, Katherine. 2006. Social Network Analysis: Methods and Applications. Cambridge: Cambridge University Press.

CAVAZZA, Fred. Social Media Landscape. http://www.fredcavazza.net

Chun Wei Choo, Rivadávia Correa Drummond de Alvarenga Neto, (2010) Beyond the ba: managing enabling contexts in knowledge organizations, Journal of Knowledge Management, Vol. 14 Iss: 4, pp.592 – 610

Dixon & Greenes, 2008. The three eras of Knowledge Management. http://www.nancydixonblog.com/.

Burson-Marsteller – The Burson-Marsteller Blog - http://www.burson-marsteller.com. 




Recomendações de Leitura do Professor Chun Wei Choo

Chun Wei Choo é Professor da Faculty Of Information Studies da Universidade de Toronto no Canadá. É autor dos best-sellersThe Knowing Organzation” (Oxford University Press), “Information Management for the Intelligent Organization” (Information Today) e “The Strategic Management of Intellectual Capital and Organizational Knowledge”( OUP). 

-      Journal of CMC - http://jcmc.indiana.edu/
-      Barry Wellman's publications - http://homes.chass.utoronto.ca/~wellman/publications/
-      Beer, D. (2008). Social Network(Ing) Sites…Revisiting The Story So Far: A Response To Danah Boyd & Nicole Ellison. Journal of Computer–Mediated Communication, 13(2), 516-529.
-      Beer, D., & Burrows, R. (2007). Sociology and, of and in Web 2.0: Some Initial Considerations. Sociological Research Online, 12(5), http://www.socresonline.org.uk/12/15/17.html.
-      Boyd, D., & Ellison, N.B. (2008). Social Network Sites: Definition, History, And Scholarship. Journal of Computer–Mediated Communication, 13(1), 210-230; also available at http://jcmc.indiana.edu/vol213/issue211/boyd.ellison.html.
-      Boyd, D. (2008). Taken Out of Context: American Teen Sociality in Networked Publics. University of California-Berkeley, Berkeley, CA. (PhD thesis)
-      Ip, R.K.F., & Wagner, C. (2008). Weblogging: A Study Of Social Computing And Its Impact On Organizations. Decision Support Systems, 45(2), 242-250.
-      Westerman, D., van der Heide, B., Klein, K.A., & Walther, J.B. (2008). How Do People Really Seek Information About Others?: Information Seeking Across Internet And Traditional Communication Channels. Journal of Computer-Mediated Communication, 13(3), 751-767.
-      Gitelman, L. (2006). Always Already New: Media, History, and the Data of Culture. Cambridge, MA: MIT Press.
-      Ito, M. (Ed.). (2009). Hanging Out, Messing Around, and Geeking Out: Kids Living and Learning with New Media. Cambridge, MA: MIT Press.
-      Livingstone, S. (2008). Taking Risky Opportunities In Youthful Content Creation: Teenagers' Use Of Social Networking Sites For Intimacy, Privacy And Self-Expression. New Media & Society, 10(3), 393-411.
-      Shirky, C. (2008). Here Comes Everybody: The Power of Organizing Without Organizations. New York: Penguin Press.